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Foto do escritorJessica Nevel

Síndrome de Burnout: quando o trabalho provoca esgotamento físico e mental


Entrevista para o o blog Bem Panvel


Ela entrou de vez para o nosso vocabulário durante a pandemia de Covid-19, mas sua primeira descrição científica foi feita muito antes, em 1974, pelo psicólogo alemão Herbert Freudenberger. Nesse intervalo de quase cinco décadas entre os dois acontecimentos, a síndrome de burnout, caracterizada pelo esgotamento crônico provocado pelo excesso de trabalho, nunca deixou de existir. A novidade, porém, é o alto número de pessoas atingidas por ela durante o isolamento social.

Afinal, a pandemia transformou a forma como trabalhamos, aumentando nossa suscetibilidade à ansiedade, medo, estresse e outras emoções angustiantes. Fatores que estão associados ao burnout, definido como um esgotamento emocional e físico acompanhado de fadiga, que pode estar associado a um quadro de ansiedade generalizada. O desencadeador? Via de regra, o ambiente profissional.

Ainda que o aumento da incidência de burnout no último ano já seja notado por especialistas, as pesquisas são de antes deste período. O International Stress Management Association no Brasil (Isma BR) apontou que a síndrome atinge 32% dos trabalhadores brasileiros. Pelo menos três fatores devem estar presentes para que ele seja diagnosticado:

  • Exaustão: cansaço físico e mental que não passa com folga, férias ou fim de semana de descanso;

  • Ceticismo: sentir-se sem perspectivas de futuro;

  • Sensação de improdutividade: por mais horas que a pessoa trabalhe, o sentimento é de ter feito bem menos do que deveria.

Além disso, também é comum apresentar sintomas como:

  • Irritabilidade e impaciência com clientes e colegas de trabalho;

  • Sensações negativas e de desilusão sobre o trabalho;

  • Dificuldades para começar ou terminar as tarefas a tempo;

  • Falta de motivação, sensação de desconexão;

  • Falta de satisfação por alcançar os objetivos;

  • Pensamentos sobre pedir demissão .


Mudanças no mundo do trabalho

Para falar do burnout, é necessário analisar nossa vida profissional para além do período da pandemia. “Os mecanismos de captura do mundo do trabalho vem se sofisticando cada vez mais. Já não basta apenas ‘vestir a camisa’. O mundo do trabalho agora quer a sua subjetividade. Ele te demanda e não quer apenas a força do trabalho: ele quer o teu sono, o teu sonho e a ideia que dele advém”, contextualiza a psicanalista Jessica Nevel. Ela adianta que este cenário não vai mudar – justamente por isso, é importante que cada pessoa saiba estabelecer seus próprios limites.

De acordo com a psicanalista, o burnout parece ter se tornado mais recorrente porque a pandemia é um momento de intensidade no qual sintomas que até então eram escondidos não puderam continuar negligenciados. “Tudo o que não foi tratado até agora, está estourando que nem pipoca. Seja uma melancolia, sejam crises de ansiedade, insônia, e o próprio burnout. A pandemia exige a reordenação de prioridades. E para as pessoas cuja política sempre foi a de adormecer os sintomas, isso está voltando com força”, afirma Jessica.


Tratamentos

Mas o que fazer diante dos sintomas de burnout? O primeiro passo, aponta a especialista, é desconfiar de qualquer fórmula que traga a resposta pronta. “Não existe receita de bolo. O único caminho é o caminho de escutar o que o sintoma quer lhe dizer. De olhar o sintoma como um alerta vital. E que para descobrir que pista é essa, o caminho é o autoconhecimento”, explica Jessica.

Por isso, a psicanalista sugere investigar os sintomas, tomando-os como uma pista para acessar a uma vida de verdade, que não é feita só de alegrias, mas também de todo um rol de estranhezas e intensidades.

“Há várias formas de investigar de onde os sintomas partem, como explorar o caminho das artes, da espiritualidade… O jeito que eu conheço é através da análise, da psicanálise, da palavra e da escuta, exercitando a fala e colocando o mundo interno para fora, num caminho de buscar decifrar o que está acontecendo consigo, para assim conquistar a possibilidade de avaliar e a alegria de agir. É o caminho do autoconhecimento, que não é o mais fácil, mas é o que vai possibilitar a escolha do que você quer fazer com isso. É o que te dá a possibilidade de decidir a vida que você quer ter”, afirma.

A psicanalista sugere uma formulação freudiana para dar início a esse processo: por que estamos nos entregando de bandeja para a empresa?. “A minha hipótese é que elas revivem aquela experiência de vulnerabilidade extrema de quando são bebês”.

Na primeira fase da vida, o bebê precisa de alguém que o cuide, alimente, limpe e aqueça, afinal o ser humano é um dos únicos animais que nascem sem a maturidade biológica. Ele precisa do outro para sobreviver e vai entendendo que quando chora, recebe comida, e quando sorri, recebe abraço. “Ele vai aprendendo o que precisa fazer para ter seu desejo atendido. Então, ele abre mão da potência dele para agradar ao desejo do outro. E isso está registrado no nosso psíquico”.

Algumas décadas depois, os ambientes empresariais são perfeitos para a reprodução dessa engrenagem experimentada na primeira infância. “É comum que profissionais entrem em uma empresa e, para ter o amor e a proteção próximos do que representou a experiência de vulnerabilidade total do começo da nossa vida, passam a tentar atender aquilo que ele acha que o outro (a empresa) quer dele. E para atender a empresa, é necessário trabalhar 24 horas, pois a demanda nunca vai acabar. É como se a gente estivesse num modo contínuo de achar que tem de pertencer a essa empresa” , compara a psicanalista.

Nesse tipo de cenário, é comum que o trabalhador acredite, mesmo que de maneira inconsciente, que precisa do outro, ou da promoção, para se sentir amado e reconhecido.

Nessa ciranda contínua de atender a demanda do outro, que pode ser inclusive a empresa, esquecemos de nós mesmos. “Ao menor indício de falta com o outro, a pessoa se culpabiliza”, diz Jessica. Ela também comenta que é comum escutar, nos grupos de trabalhadores, relatos de que se sentem culpados por se levantar da frente do computador para buscar um copo d’água, ou desfrutarem de pequenos intervalos.

O fato é que, a manutenção deste imaginário onde o trabalhador precisa se ofertar integralmente a empresa, em troca de uma suposta proteção e reconhecimento, pode se tornar um ceifador de vidas, e o burnout pode aparecer para o sujeito como um alerta: acorda, de que forma você quer viver?

E, justamente no momento que conseguimos formular a pergunta: por que isso está acontecendo comigo? É quando conseguimos buscar ajuda analítica e terapêutica.

Por isso, se você está sentindo algum sintoma, não o ignore. Olhe para o que está acontecendo e procure apoio profissional. Esse é o momento chave para entender o que está acontecendo e buscar uma vida mais alinhada aos seus objetivos.

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