"Então, nem tudo foi criado para o olhar humano?" É uma pergunta que um dos personagens faz no documentário "O leopardo das neves", dirigido por Marie Amiguet.
A cenas acontecem no Tibet onde dois exploradores fazem uma expedição em busca do leopardo das neves, animal em extinção, que dificilmente se mostra aos humanos.
O filme retrata essa viagem lindamente. As fotos são incríveis e nos leva a pensar no redimensionamento do humano diante da grandiosidade da natureza e seus animais.
Viver o tempo do antropoceno, onde o a natureza sofre a interferência do homem na direção de domá-la em beneficio próprio, tem produzido efeitos, o esgotamento do planeta.
Pensando sobre a questão do antropoceno me lembrei de Freud, que em 1917 ao tratar sobre as dificuldades no caminho da psicanálise, escreveu sobre como a humanidade foi golpeada no seu amor próprio, trazendo a ideia das feridas narcísicas.
O primeiro golpe foi o cosmológico, quando Copérnico afirma que a Terra gira ao redor do sol, e não o contrário como foi reconhecido no século XVI.
O segundo golpe foi o biológico, quando o pensamento de superioridade humana em relação aos demais animais foi quebrada na concepção da teoria evolucionista de Darwin - o homem tem ascendência animal.
O terceiro golpe foi o psicológico e segundo Freud, talvez seja o que mais mobiliza. Escreve ele: ‘estranhos hóspedes que parecem até ser mais poderosos dos que os pensamentos que estão sob comando do eu (consciência)’, ou seja, há uma parte da mente que não consegue ser controlada.
Há, nas palavras de Freud ‘uma invasão estrangeira’. O inconsciente atravessa a consciência, sem sua permissão, para se fazer ouvir. Freud conclui que não somos senhores em nossa própria casa.
Parece que as feridas narcísicas não se cicatrizaram ainda, visto que, cem anos depois da constatação freudiana ainda resistimos diante da compreensão de que não somos o centro do mundo haja vista a forma como estamos tratando a nossa morada e os povos e comunidades tradicionais.
Será que precisaremos esgotar o planeta e ter a lição amarga para nos darmos conta que somos apenas mais um elemento nesse ecossistema e não o centro dele?
Conquistar a capacidade de sair do lugar de centralidade e dar lugar aos outros, parece vital, afinal, o mundo não foi criado apenas para o olhar humano.
A foto é do filme 'O Leopardo das Neves'
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