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Foto do escritorJessica Nevel

“As redes sociais são um invasor silencioso que molda nossas vidas”


Bruno criou uma deliciosa receita de geleia de frutas. Com a aprovação e o incentivo dos amigos, que gostavam da iguaria, ele se animou a vendê-la. Usou as redes sociais para divulgá-la. Com a qualidade do produto e a indicação boca a boca, Bruno expandiu a produção. Com as vendas crescendo, apostou na profissionalização, contratou pessoas e ampliou seu negócio até que… o algoritmo mudou. O fluxo de visualizações reduziu drasticamente, diminuindo as vendas e a viabilidade da sua loja. Bruno confiou em seu negócio, contando com a rede social. Meses depois, precisou fechá-lo, trazendo consigo uma tristeza persistente que o imobilizou durante meses. Ele buscou tratamento para lidar com o sentimento de fracasso.


Katia, uma adolescente de 13 anos, interessada pelos estudos, vem frequentando as redes sociais com mais assiduidade nos últimos tempos. Seus pais notaram que seus interesses começaram a mudar. As amizades, a música e os estudos costumavam ocupar seu tempo, entretanto, à medida que foi se envolvendo com as interações na rede, os pais notaram que ela se isolava cada vez mais no seu quarto. Katia começou a falar sobre a mudança da cor do cabelo, quer fazer dietas radicais e planeja uma intervenção estética no rosto. Ela agora deseja se parecer com o filtro de uma rede social.


Além de Bruno e Katia, todos nós somos surpreendidos quando conversamos sobre um tema em casa, por exemplo, a necessidade de comprar um bem, e instantes depois, esse item aparece repetidamente na linha do tempo das redes sociais.


Aquilo que prometia ser um instrumento de aproximação entre as pessoas se tornou uma espécie de “alien invasor” da nossa subjetividade, que passa a comandar o que vemos e o que deixamos de ver. As redes decidem quem é visto e quem não é, sem demonstrar clareza sobre esses critérios, que estão assentados numa obscura política algorítmica, certamente a serviço de algum interesse maior. Atualmente, as redes decidem onde vamos, como deve ser nossa aparência, o que pensamos, o que devemos comprar e onde comprar.


Não é preciso ir longe para compreender que isso é um desastre para todos, em especial para as crianças e jovens que estão em formação. Um dos elementos da constituição do sujeito, segundo Lacan, se dá também a partir do olhar do outro. Trata-se de uma espécie de identificação necessária, que unifica a ideia do ser.


Ainda que essas identificações possam ser reavaliadas a qualquer tempo, quando dispomos de uma máquina incessante de produção de imagens, como propõem as redes sociais, nos vemos presos, quando não viciados, a esse sistema que captura a subjetividade e, pior, a direciona a objetivos que não favorecem as pessoas, mas sim a um sistema que tem como objetivo o consumo.


As redes favorecem a criação de uma massa de consumidores que beneficiam apenas as grandes corporações, em desfavor do cultivo do mundo interno e das relações humanas. Triste ironia: o propósito das redes sociais, que era conectar pessoas, acaba por minar o vínculo entre elas.


O recente episódio do bloqueio da rede X é oportuno, pois já passou da hora de discutirmos a regulamentação das redes. É necessário falar sobre os danos à saúde mental que as redes sociais causam. Assim como vem acontecendo com os alimentos ultraprocessados, os perigos das redes sociais para a saúde mental das pessoas precisam ser apontados, pois os únicos beneficiados do uso sem regulamentação das redes sociais certamente não são o grande público, mas sim uma pequena minoria bastante capitalizada.


Nota: Os nomes utilizados neste artigo são fictícios e têm o propósito de ilustrar situações comuns relacionadas ao uso das redes sociais.


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